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Esquimós e Dieta Carnívora

E aí! Tudo Multes? Espero que sim, pois hoje vamos falar sobre Dieta carnívora, e mais especificamente, como Esquimós sobrevivem com ela. Se você pesquisou esse tema, provavelmente seja para responder a pergunta de algum defensor das dietas carnívoras, quando questionados sobre a falta de vitaminas em uma dieta onde a pessoa literalmente come apenas carnes.

Qualquer pessoa que estuda um mínimo de nutrição descobre que uma dieta exclusivamente carnívora poderia levar à deficiência de certos nutrientes essenciais para o funcionamento do organismo, incluindo algumas vitaminas.

As principais vitaminas que são mais difíceis de obter em uma dieta estritamente carnívora são: Vitamina C, Tocoferol, e Folato, sem falar em fibras, e praticamente toda família de compostos bioativos como fitoquímicos diversos que podem ser considerados importantes para uma vida plena e saudável, seja pela sua ação antioxidante, ou por mecanismos que a ciência ainda nem compreende completamente.

Vitamina C: Desempenha várias funções no organismo, importante para a saúde imunológica, cicatrização de feridas, construção de colágeno, com isso também de tecidos em geral. A maioria das frutas e vegetais são fontes significativas de vitamina C, portanto, é fácil conseguir uma boa quantidade dessa vitamina em uma dieta equilibrada, e por isso uma dieta carnívora restrita pode resultar em deficiência dessa vitamina. A recomendação diária para adultos é de 50mg, facilmente obtidos em frutas e vegetais. Mas de difícil obtenção de fontes animais.

Embora alguns órgãos de animais contenham alguma quantidade, nas carnes, ela é aproveitada se for consumida crua, pois o aquecimento a degrada, e não preciso falar que comer carnes cruas acaba sendo arriscado pela chance de contaminação de bactérias que poderiam desencadear doenças, no caso dos esquimós o clima frio ajuda a conservar as carnes e possibilita a ingestão de forma crua.

Tocoferol/Vitamina E: O Tocoferol é encontrado em alimentos como sementes, nozes e óleos vegetais. Na ausência desses alimentos fica mais provável a deficiência, Tocoferol é intimamente ligado ao papel antioxidante importante no organismo.

Folato/B9: Embora a carne contenha alguma quantidade de folato, principalmente em vísceras e órgãos como o fígado, a maioria das fontes ricas nesse nutriente são alimentos de origem vegetal, como legumes verdes, grãos e leguminosas. Portanto, uma dieta exclusivamente carnívora pode resultar em deficiência de folato, que é essencial para a produção de células sanguíneas, sendo que o principal sintoma de carência seria anemia megaloblástica.

Mas e os Esquimós?

Para responder essa pergunta, busquei pela existência atual dos esquimós, e sim, existem populações indígenas que vivem em regiões árticas e subárticas, incluindo grupos que são comumente chamados de “esquimós” ou “inuítes”. Essas comunidades têm uma rica cultura e estilo de vida adaptado às condições extremas do Ártico.

No entanto, vale destacar que o termo “esquimó” é um tanto antiquado e pode ser considerado pejorativo por alguns. Muitos preferem ser chamados de inuítes ou por nomes específicos de suas comunidades, sendo que Inuítes é o nome que representa uma comunidade específica.

Essas populações continuam a viver em áreas remotas do Canadá, Alasca, Groenlândia e outras partes do Ártico. Embora possam enfrentar desafios relacionados às mudanças climáticas, perda de terras e influências culturais externas, eles estão lutando para manter suas tradições, línguas e modos de vida únicos.

O grande detalhe é que hoje em dia, mesmo esses “Inuítes” já têm acesso aos produtos de mercado, com alimentos industrializados existindo em suas dietas. Inclusive com adição de grão, óleos, e vegetais, portanto já não serve de parâmetro para nossa pergunta, “E os Esquimós?”

Como se alimentavam os Esquimós

Não desistimos ainda, conseguimos buscar informações um pouco mais antigas, um estudo de meados de 1930 (Høygaard et AL).  Realizou uma pesquisa na Groenlândia, de Agosto 1936 até agosto de 1937 com foco em averiguar o conteúdo nutricional da alimentação dos Inuítes na época.

Os 4 pesquisadores que lá residiram por 1 ano, coletaram informações sobre a alimentação das famílias, o que deu material de estudo para uma série de artigos que analisam a dieta dos Inuítes posteriormente.

E quando temos acesso ao conteúdo vemos que a dieta era rica em carnes, peixes, inclusive peles e órgãos de animais, mas também existia o consumo de alguns vegetais, como algas da região.

A falta de Vitamina C é o maior fator preocupante das dietas carnívoras no curto prazo, pois se desenvolve em curto espaço de tempo. Um estudo mais moderno (Mullie et AL) reavaliou a ingestão de Vitamina C desses achados de 1937. No total, participaram 21 homens e 14 mulheres. A ingestão mediana (IQR) de vitamina C foi de 79 (77) mg/dia para os homens e 59 (56) mg/dia para as mulheres. O consumo de carne e órgãos de focas fornecia 21 mg/dia de vitamina C, comparável à vitamina C obtida de algas. A pele e os olhos do Narval (tipo de baleia) tiveram uma contribuição marginal para o consumo de vitamina C. A porcentagem de adultos que consumiam algas durante os dias de pesquisa foi de 67% para os homens e 71% para as mulheres, enquanto para a pele de Narval foi de 24% e 21%. Nisso os autores verificaram que existiu um papel importante do consumo de algas no padrão alimentar tradicional da Groenlândia para evitar o escorbuto, e que alimentos tradicionalmente vistos como fontes importante de vitamina C, como os olhos de focas e a pele de Narval, desempenharam um papel secundário no atendimento às necessidades de vitamina C.

É importante notar que, embora os seres humanos possam sobreviver com uma dieta predominantemente carnívora sem nenhum problema no curto prazo, em longo prazo, essa falta de diversidade alimentar pode levar a deficiências nutricionais e problemas de saúde. O mais sensato baseado na ciência, é consumir uma variedade de alimentos de diferentes grupos para garantir a ingestão adequada de todos os nutrientes essenciais com facilidade.

Acredita-se que outro fator importante para o sucesso dos esquimós, mantendo uma Dieta rica em Proteína e Gordura, seja devido a sua genética, é como se a evolução tivesse garantido que os mais aptos a manter a dieta “carnívora” propagassem seus Genes (acho que isso resume evolução haha).

 Uma análise dos genomas dos inuítes em busca de sinais de adaptação revelou que eles possivelmente possuem adaptações genéticas e fisiológicas para suportar o frio com mais facilidade, e para lidar bem com uma dieta rica em PUFAs. (Ácidos Graxos Poli Insaturados) que compõe grande parte de suas dietas.

No entanto, é importante ressaltar que cada indivíduo é único e possui diferentes necessidades nutricionais. Embora os esquimós tenham desenvolvido uma adaptação notável à sua dieta, eles ainda comem muitos órgãos e carnes cruas, que conservam as vitaminas, e ainda tiveram como auxiliares o consumo de algas ricas em vitamina C.

Isso não significa que todos possam adotar uma dieta majoritariamente carnívora sem consequências para a saúde. Então não vá achando que comer só churrasco assado todo dia vai te garantir a ingestão mínima de vitaminas para evitar problemas! A diversidade alimentar é geralmente recomendada para a maioria das pessoas, a fim de garantir a ingestão adequada de todos os nutrientes necessários para uma vida saudável.

Referências:

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34232845/
https://www.science.org/doi/abs/10.1126/science.aab2319
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3145266/
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2005/rdc0269_22_09_2005.html